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o que fazer com os pesadelos? pergunte a Lars




A Confissão do Diretor
(Carta apresentada à imprensa durante o Festival de Cannes. post original em http://cinemascopiocannes.blogspot.com/)

"Dois anos atrás, eu sofri uma depressão. Foi uma experiência nova para mim. Tudo, não importava o quê, me parecia sem importância, trivial, não conseguia trabalhar.
Seis meses depois, como um exercício, escrevi um roteiro. Foi um tipo de terapia, mas também uma procura, um teste para ver se conseguiria fazer um outro filme.

O roteiro foi finalizado e filmado sem muito entusiasmo, feito de uma maneira que usou aproximadamente 50% das minhas capacidades físicas e intelectuais.

O trabalho no roteiro não seguiu meu modus operandi de sempre. Cenas foram acrescentadas sem nenhum motivo. Imagens foram compostas sem lógica ou reflexão dramática. Elas geralmente vinham de sonhos que estava tendo na época, ou de sonhos que tinha tido em outros momentos da minha vida.

Mais uma vez, o assunto era a "natureza", mas de uma maneira diferente e mais direta do que antes. Mais pessoal.

O filme não contém um código moral específico e contém o que alguns poderão chamar de "necessidades básicas mínimas" em termos de trama.

Eu lia Strindberg quando era jovem. Li com entusiasmo o que escreveu antes que ele foi para Paris onde virou alquimista e durante a sua fase lá... o período conhecido como "crise do inferno" - será que Anticristo foi a minha crise do inferno? Minha afinidade com Strindberg?

De qualquer forma, não tenho como pedir desculpas por Anticristo, além da minha crença absoluta no filme - o filme mais importante de toda a minha carreira!"

Lars Von Trier, Copenhagen, 25/3/09


das coisas que fazem eco

coisa boa é ganhar poesia de presente
esse mimo de desanivesário acabou de chegar da minha gêmea saturnina,
simone jubert
artigo de luxo...






Idade Madura Carlos

Carlos Drummond de Andrade

As lições da infância
desaprendidas na idade madura.
Já não quero palavras, nem delas careço.
Tenho todos os elementos
Ao alcance do braço.
Todas as frutase consentimentos.
Nenhum desejo débil.
Nem mesmo sinto falta do que me completa e é quase sempre melancólico.
Estou solto no mundo largo.
Lúcido cavalo
com substância de anjo
circula através de mim.
Sou varado pela noite, atravesso os lagos frios,
Absorvo epopéia e carne,
bebo tudo,
desfaço tudo,
torno a criar, a esquecer-me:
Durmo agora, recomeço ontem.
De longe, vieram chamar-me.
Havia fogo na mata.
Nada pude fazer,
nem tinha vontade.
Toda a água que possuía
irrigava jardins particulares
De atletas retirados, freiras surdas, funcionários demitidos.


Nisso, vieram os pássaros,
rubros sufocados, sem canto,
e pousaram a esmo.
Todos se transformaram em pedra.
Já não sinto piedade.

Antes de mim outros poetas,
depois de mim outros e outros
estão cantando a morte e a prisão.
Moças fatigadas se entregam, soldados se matam
No centro da cidade vencida.
Resisto e penso
numa terra enfim despojada de plantas inúteis,
num país extraordinariamente, nu e terno,
qualquer coisa de melodioso,
não obstante mudo,
além dos desertos onde passam tropas, dos morro
sonde alguém colocou bandeiras com enigmas,
e resolvo embriagar-me.

Já não dirão que estou resignado
e perdi os melhores dias.
Dentro de mim, bem no fundo,
Há reservas colossais de tempo,
Futuro, pós-futuro, pretérito,
Há domingos, regatas, procissões,
Há mitos proletários, condutos subterrâneos,
Janelas em febre, massas da água salgada, meditação e sarcasmo.
Ninguém me fará calar, gritarei sempre
que se abafe um prazer, apontarei os desanimados,
negociarei em voz baixa com os conspiradores,
transmitirei recados que não se ousa dar nem receber,
serei, no circo, o palhaço,
serei, médico, faca de pão, remédio, toalha,
serei bonde, barco, loja de calçados, igreja, enxovia,
serei as coisas mais ordinárias e humanas, e também as excepcionais:
tudo depende da hora
e de certa inclinação feérica,
viva em mim qual um inseto.

Idade madura em olhos, receitas e pés, ela me invade
com sua maré de ciências afinal superadas.
Posso desprezar ou querer os institutos, as lendas,
descobri na pele certos sinais que aos vinte anos não via.

Eles dizem o caminho,
embora também se acovardemem
face a tanta claridade roubada ao tempo.
Mas eu sigo, cada vez menos solitário,
em ruas extremamente dispersas,
transito no canto homem ou da máquina que roda,
aborreço-me de tanta riqueza, jogo-a toda por um número de casa,
e ganho.

dos pequenos gestos

sendo brevidade
num universo em constante expansão rumo ao infinito
é surpreendente encontrar delicadezas vizinhas
essa veio embrulhada em papel de seda
com laçarote de cetim e tudo





uma conversa dez anos antes de maria flor ir embora

cadê você?
aqui
explica como é que funciona
porque eu já tô prestes a desistir
o que?
isso...
as pessoas se interessam por outras
elas saem
elas ficam
elas namoram
parece simples
mas eu não entendo
é simples
o mecanismo
não acontece
não funciona
por que não?
acho que tu fica esperando...
quando a gente espera, nunca acontece
pelo menos é assim que é comigo
não...
não é esperar
o que é?
eu espero um ônibus na parada
porque sei que cedo ou tarde ele passa
eu espero começar um filme, na hora da sessão
e normalmente ele começa
espero que uma hora o sono chegue
e na maioria das vezes ele chega
isso é esperar
tu não acha que uma relação pode chegar também?
não
porque isso não faz parte da natureza
da natureza de ter uma relação
por que tu acha que não?
as pessoas nascem sozinhas e morrem sozinhas
isso faz parte da natureza
da natureza de estar só
então você pode esperar ficar só
ou
fazer algo, que não é esperar, pra conseguir dividir algo com alguém



leia mais sobre maria flor em: http://fiodor.blogspot.com/
obrigada, lilo