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felicidade devia ser vendida em armarinho
entre botões e fitas de cetim
no setor de miudezas.


por ser assim


encontrar uma forma de se adequar ao mundo. essa era uma de suas maiores preocupações. acostumada a ausência de intermediários entre sua pele e a atmosfera, o toque do tecido era como tortura. mais que isso: amarrava seus movimentos, pesava sobre o corpo deixando seus passos mais pesados. para não mencionar os sapatos, aquelas âncoras de couro e borracha que isolavam seus pés da terra. locomover-se assim era como ser cega. pois ela sabia dos caminhos pelas pedras ou pela direção do vento que passava sob seus braços.

assim, aprender a ser gente, fabricar-se nesse bicho coberto de predicados e adjetivos, foi tarefa das mais difíceis. como uma criança que tem dificuldade para ler, ela se deixou torturar por castigos e lições. aprendeu aos poucos a pisar com passos mais curtos e retos, a não andar de braços abertos na rua e não rodopiar quando o vento mudasse de direção. aos poucos desaprendeu a ler as saliências do chão com a sola dos pés, esqueceu a língua formigas, as folhas já não sussurravam segredos em seus ouvidos e dançar virou uma atividade restrita aos salões e a passos indexados.



havia se tornado mulher.

dos desencontros




gastei todas as minha lamurias de amor
você venceu eu calei

recolhi as roupas e os bilhetes
você mandou eu obececi

guardei os olhares e todos os charmes
você cantou eu desafinei

desaprendi tua lingua e teus sinais
você falou eu não entendi

estendi bandeiras e perdões aos teus pés
você passou eu só olhei

quebrei copos pedras e pernas
você cansou eu machuquei

depois de malas feitas e dores divididas
você foi eu fiquei


hermeto se escuta de olhos fechados
porque ele pinta no avesso da pálpebra paisagens de sons
saí do concerto cheia de música:
nos bolsos, embaixo das unhas, enroscada nos cabelos, gravada nos ossos
escosta o ouvido em mim que dá pra ouvir ele tocando