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da minha janela

a partir de hoje expandindo meu microcosmo para as miudezas alheias
essa me entrou pela janela e veio parar na gaiola aberta onde vive meu coraçãozinho que tem preguiça de voar


estória de passarins

hoje acordei com a visita de um primo passarim. era um vira-lata da estirpe dos de asas, um reles papa-capim, um dos plebeus voantes de que mais gosto. essa ausência de nobreza lhe dá um sentido sobretudo de levezas. ele me adentrou pela varanda, veio dizer-me de coisas do tempo de eu menina. lembrei-me de um aniversário me feito pela mãe. ela é mesmo intérprete fluente de criança. ela me fez de presente um bolo imenso, que de longe tinha certos ares de... vulcão. era um formato atípico para bolos, mas minha mãe sempre gostava de inventar novidades. a minha roupa nova de parabéns era amarelo canário, tinha umas caixinhas com bombons que lembravam ninhos. era mesmo um aniversário de passarinha. mas o mais melhor veio na agonia da hora de cantar parabéns. o bolo ficara na cozinha, guardado, esperando a hora de entrar em cena. mas ninguém se deu conta do porquê. é que havia um convidado especial. o bolo tinha uma fita azul em cima, cantaram-me um parabéns meio afobado, apressado. aí, sopra a velinha e puxa a fita. sai voando um canário azul, maravilhante, de dentro do meu bolo. minha mãe me deslumbrou por dias seguidos com esse passarim voado de bolo, pareceu coisa de mágico. e o canarinho viveu e deu nascença a uma dinastia canária em meu lar. eles viviam num viveiro enorme e mesmo quando eu os soltava, eles voavam e voltavam pro viveiro. aprendi de prática a criar-me passarim solto.

lagarta

do amor

esse elefante branco que a gente não sabe onde estacionar

das coisas imensuráveis


meu corpo já não é um corpo só


inteiro


molecular


celular


meu corpo é uma nesga de luz


que rasga a carne


e se estende infinito


onde só alcançam os dedos da lembrança perdida


lugar qualquer entre o primeiro átomo e hoje


ali no espaço minúsculo entre os ossos e alma

bulimia


rasgar a boca
esse risco que é minha boca
e que espalha a idéia pelo ar
essa nesga
esse rastro
essa rachadura entre o que pretendo ser e o que digo
boca
buraco
fenda
saída
entrada
rasgo
risco
abismo de sentidos
palavra mal dita
desencontro entre o pretenso e o dito
entre o que sou e o que digo
boquete
palavrão
heresia
prazer
paladar
vômito
buraco
bueiro
buraco
entrada
buraco
saída
minha alma estendida num varal que se pendura entre pré-molares
boca
buraco
fenda
buraco
boca
dentes
minha alma no espaço-entre-ossos
eu fantasma
verbo-alucinação
eu
boca
boquete
garganta
você-eu
língua
eu-você
e as estrelas brincam de big bang por trás do meu umbigo

.

vem de longe
de antes de tudo
o meu saber te amar

veio na poeira da primeira explosão
no silêncio do todo
se movendo

e chegou aqui bilhões de anos depois
intacto, ainda na embalagem
com cheiro de novo e embrulhado para presente

aluga-se


quando é que se escolhe a vida?

quero você, meu amor quitinete

onde eu me espalho e atulho coisas
penduro nas paredes
esparramo pelo chão
empilho nos cantos

habitando, espaçosa, teu coração de alvenaria e paredes brancas

.

coloquei meu corção no penhor

.

a geografia da amizade é dilacerante
eu fico assim
despedaçada
um pedaço de carne
pulsante e vermelha
em cada lugar
onde vive um amigo

.existencialismo tropical

Acordei com vontade de comer pitangas
Como alguém esquecido que voltasse do mar
me lambuzar
manchar todas as camisas
e as cortinas da sala

hoje quero cair em cheio
como a chuva que vem de lá
molhar o chão do quarto de hotel
desfazer malas e certezas

e ao olhar no espelho
ver que penso tudo que vejo
e sinto com minha razão
como quem comesse pitangas